Depois de meditarmos a fieldade de Deus na semana passada, vemos nesta semana como Jesus exige de nós uma dedicação total à vida Cristã, dedicação essa que mesmo para verdadeiros Cristãos é por vezes difícil de satisfazer.
Primeira Leitura - Is 50:5-9
O Soberano, o Senhor, abriu os meus ouvidos, e eu não tenho sido rebelde; eu não me afastei. Ofereci minhas costas àqueles que me batiam, meu rosto àqueles que arrancavam minha barba; não escondi a face da zombaria e dos cuspes. Porque o Senhor, o Soberano, me ajuda, não serei constrangido. Por isso eu me opus firme como uma dura rocha e sei que não ficarei decepcionado. Aquele que defende o meu nome está perto Quem poderá trazer acusações contra mim? Encaremo-nos um ao outro! Quem é meu acusador? Que ele me enfrente! É o Soberano, o Senhor, que me ajuda. Quem irá me condenar? Todos eles se desgastam como uma roupa; as traças os consumirão.
A passagem que lemos aqui poderia muito bem ter sido retirada diretamente do Novo Testamento já que retrata na perfeição o Sacrifício de Jesus. Também Isaías nos convida a ser como Jesus, não por sermos fortes mas porque Deus, o Soberano, está connosco. Graças ao Sacrifício de Jesus ninguém nos pode acusar (Rm 8:33), mas não nos podemos esquecer que aquele que é como Jesus é um Cristão, ou seja, um pequeno Cristo, e portanto pode muito bem também ele sofrer muito nesta vida. Mas não em vão! Algumas pessoas pensam que Deus se alegra em ver o nosso sofrimento. Deus não deseja o nosso sofrimento, no entanto às vezes é preciso ou para ser fortalecido espiritualmente e na Fé, ou tal como Jesus, para sofrer para ajudar os outros, pois não há maior prova de amor que dar a vida pelos amigos (Jo 15:13), e amar é estar perto de Jesus e conhecer Deus (I Jo 4:7).
Salmo - Sl 115
Andarei na presença de Deus, junto a ele, na terra dos vivos.
Mas uma vez vemos o tema da proximidade com Deus. A Fé é a confiança em Deus e o início da relação com Deus, e esta deve crescer à medida que nos aproximamos de Deus. E como nos aproximamos de Deus? Não só pela oração, pelo jejum e outros exercícios espirituais, mas também sendo como Ele. Ele coloca-nos em situações difíceis mas está sempre lá para nós. É importante também realçar que o discipulado não é para mostrarmos a Deus que somos verdadeiros na Fé, e embora haja evolução espiritual em nós também não é esse o propósito do discipulado. O maior propósito do discipulado é testemunhar aos outros Deus para Ele seja glorificado e também para os outros poderem virar-se para Ele.
De que adianta, meus irmãos, alguém dizer que tem fé, se não tem obras? Acaso a fé pode salvá-lo? Se um irmão ou irmã estiver necessitando de roupas e do alimento de cada dia e um de vocês lhe disser: "Vá em paz, aqueça-se e alimente-se até satisfazer-se", sem porém lhe dar nada, de que adianta isso? Assim também a fé, por si só, se não for acompanhada de obras, está morta. Mas alguém dirá: "Você tem fé; eu tenho obras". Mostre-me a sua fé sem obras, e eu mostrarei a minha fé pelas obras.
Vemos aqui um dos textos mais debatidos de sempre, especialmente depois da Reforma Protestante. Será que somos salvos pela Fé ou também pelas obras? Os Protestantes tendem a afirmar a incapacidade do Homem de merecer o Céu e defendem a célebre doutrina Sola Fide, ou seja "Fé Somente", apelando a passagens como Rm 3:28. Por outro lado os Católicos referem textos como este que lemos aqui e outros como Mt 25:31-46 e defendem que as obras tomam parte na nossa Salvação de uma maneira mais forte que os Protestantes, mas sendo que a doutrina Católica sobre este assunto é muito complexa e normalmente caricaturada pelos seus detratores eu vou encaminhar o leitor para os documentos oficiais do Concílio de Trento de modo a que possa ler a doutrina Católica pelas palavras da própria Igreja Católica.
O que se segue é um resumo de uma prespetiva algo complexa que tenho sobre este assunto e que ainda estou a desenvolver, mas posso dizer que em geral me aproximo mais da ideia Protestante do que Católica: Primeiro é importante compreender em que sentido as obras contribuem para a nossa Salvação. Certamente que não é num sentido de mérito, pois como podemos nós, homens, realizar obras grandiosas o suficiente para merecer a bênção eterna? Todos nós somos pecadores e nenhum de nós é bom o suficiente para merecer o perdão e a graça de Deus (Rm 3:23). Mas isso não quer dizer que Deus não nos dê essa graça, pois Deus é amor (I Jo 4:8) e quer a nossa Salvação. Então como é que acedemos à Salvação de Deus? Pela Fé! (Rm 10:9) Pela Fé recebemos o Espírito de Deus e tornamo-nos Filhos de Deus (Jo 1:12). E se formos realmente Filhos de Deus, o que faremos? Embora não sempre, porque os Cristãos também pecam, mas faremos boas obras como evidência da nossa Salvação, pois uma boa árvore dá bom fruto e uma má árvore dá mau fruto (Mt 7:17).
No entanto Tiago parece estar aqui a dizer que a Justificação é realmente também pelas obras (e continua a dizê-lo neste Capítulo), uma possível harmonização especulativa será dizer que as obras podem não ser apenas evidência da nossa Salvação, mas também podem contribuir para ela, mas de uma maneira não meritória: quando realizamos uma boa obra em Deus, exercemos na realidade um ato de Fé perante Deus, ato esse que será visto por Deus tal como outros atos de Fé (como confessar o Senhor), e para além disso tornamos o nosso coração mais como o de Deus e ficamos mais perto d'Ele (Mt 6:19-21). À Fé que não produz este tipo de obras e que apenas é uma "Fé" de acreditar, a essa Tiago chama de Fé morta e de nada serve.
Evangelho - Mc 8:27-35
Jesus e os seus discípulos dirigiram-se para os povoados nas proximidades de Cesareia de Filipe. No caminho, ele lhes perguntou: "Quem o povo diz que eu sou?" Eles responderam: "Alguns dizem que és João Batista; outros, Elias; e, ainda outros, um dos profetas". "E vocês?", perguntou ele. "Quem vocês dizem que eu sou?" Pedro respondeu: "Tu és o Cristo". Jesus os advertiu que não falassem a ninguém a seu respeito. Então ele começou a ensinar-lhes que era necessário que o Filho do homem sofresse muitas coisas e fosse rejeitado pelos líderes religiosos, pelos chefes dos sacerdotes e pelos mestres da lei, fosse morto e três dias depois ressuscitasse. Ele falou claramente a esse respeito. Então Pedro, chamando-o à parte, começou a repreendê-lo. Jesus, porém, voltou-se, olhou para os seus discípulos e repreendeu Pedro, dizendo: "Para trás de mim, Satanás! Você não pensa nas coisas de Deus, mas nas dos homens". Então ele chamou a multidão e os discípulos e disse: "Se alguém quiser acompanhar-me, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me. Pois quem quiser salvar a sua vida a perderá; mas quem perder a sua vida por minha causa e pelo evangelho a salvará.
Se calhar se perguntarmos aos Homens, talvez até mesmo àqueles que se chamam Cristãos, quem é Jesus, muitos vão responder que era um bom profeta ou um bom homem. Mas um homem que disse que era Deus, que ia julgar o mundo e que a Salvação se baseava n'Ele e estava errado pode ser um bom homem!? Eu acho que não. Jesus podia ter sido um grande charlatão, um lunático ou então quem Ele disse que era, mas certamente não foi "apenas um bom homem". Devemos responder como Pedro respondeu "Tu és o Cristo", que quer dizer Messias, Aquele que ia cumprir o plano de Deus e salvar o Mundo.
Sabemos que o primeiro a dar exemplo deve ser aquele que comanda, e é precisamente isso que Jesus faz: Ele não nos pede para darmos a Nossa vida por Ele (e pelos outros) sem dar primeiro a Sua por nós! Pedro, no entanto, vendo apenas as coisas dos Homens (o conforto, o instinto de salvar a sua vida, o egoísmo) diz a Jesus que Deus não irá permitir a Sua morte. Mas Jesus, que é de Deus e vive pelas coisas de Deus, que é Amor, deseja na realidade dar a Sua vida pelos pecadores que desobedeceram às suas Leis e até estão prestes a crucificá-lo! Este é o Deus do Cristianismo e por isso Ele repreende Pedro tão vigorosamente, pois Satanás nunca se apresenta como mau, mas disfarçado de anjo, e neste caso sugerir que Jesus, um homem tão bom, fosse poupado da morte que não merecia parecia sensato, mas seria a condenação de todos nós... Finalmente vemos a célebre frase
"Se alguém quiser acompanhar-me, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me. Pois quem quiser salvar a sua vida a perderá; mas quem perder a sua vida por minha causa e pelo evangelho a salvará."É muito importante nos lembrarmos desta frase nos dias de hoje, em que cada vez os movimentos de "auto-afirmação" são populares e até se infiltram na Igreja! "Encontra o bem que há dentro de ti, afirma-te e estarás no caminho certo" é o que ouvimos dizer, mas Jesus diz "Reconhece o mal que há dentro de ti, procura o bem que está em Deus, nega-te a ti mesmo e segue-me pois Eu sou o caminho". Que nós vivamos as nossas vidas por Jesus, como Ele viveu, tomando a Sua cruz e seguindo-o, dando a vida pelos nosso irmãos. E que também não pensemos que esta passagem quer dizer que o Cristão será infeliz, já que Pedro nos fala de "alegria indizível e gloriosa" para os que estão em Jesus Cristo (1 Pe 1:8). O paradoxo resolve-se desta maneira: para aqueles que vêm as coisas dos Homens a vida Cristã é apenas uma grande cruz e não há nela alegria, mas para aqueles que vêm as coisas de Deus, a sua cruz, porque é em amor a Deus e ao próximo, por muitas dificuldades que traga é depois vista com grande alegria.